A Malha Fina falando em língua franca
por: Idalia Morejón Arnaiz e Tatiana Faria
As editoras da Malha Fina Cartonera falam sobre o primeiro volume do catálogo hispano-americano, a antologia Poesia Língua Franca.
A antologia Poesia Língua Franca que a Malha Fina Cartonera lança no dia 29 de abril no B_arco Centro Cultural, é também o primeiro título do nosso catálogo hispano-americano. Ela foi organizada com os poemas cedidos pelos autores convidados ao II Encontro Internacional de Poesia Hispano-americana: A Poesia como Língua Franca cuja primeira edição aconteceu em outubro de 2012 na Universidade de São Paulo. A antologia recupera no seu título a “confiança na transmissibilidade da experiência”, tema proposto no evento citado acima que também deu lugar a um dossiê sobre poesia e tradução publicado na revista Caracol n. 5.
Os dez poetas reunidos nesta edição possuem uma trajetória consolidada, porém, em sua maioria, são inéditos no Brasil, com a exceção de Diana Bellessi, cujos poemas foram publicados em: Puentes/Pontes. Antologia bilíngüe. Poesia argentina e brasileira contemporânea (2004), e Néstor Díaz de Villegas, cujas Palavras à Tribo foi editado em 2014, em São Paulo, pela Lumme Editor.
No conjunto dos poemas convivem a fragmentariedade poética e a ideia do narrativo na poesia. São poetas que pensam na própria tradição literária, mulheres que problematizam a banalidade da experiência, confrontam o imaginário dos seus anos de formação; homens que livram-se da morte, dão testemunho das dimensões poéticas da cotidianeidade, dos afetos e do lugar de origem. Jacqueline Goldberg, por exemplo, diz que a dor só serve para que o livro cresça, e reivindica o seu lugar de mãe quando fala das perdas do filho que também são as suas. Já Diana Bellessi retorna em seus poemas à cidade natal, Zavalla, para glosar sobre o ambiente em que foi criada, os hábitos de seus familiares e o amor homossexual na idade madura. Jorge Luis Arcos, por sua vez, remete às assombrações da morte e da dor, estabelecendo conexões entre o que sente e o que lê, transformando Rimbaud, Cervantes, Quevedo e Sor Juana Inés de la Cruz em interlocutores/partícipes de suas moléstias. Irina Garbatzky problematiza o lugar da mulher desde a herança e a criação materna em “O que não me ensinou minha mãe”, e Ana Porrúa aborda temas como o corpo e suas dimensões sensoriais em uma série de poemas denominados de “Lida” e “Lidas”. Já Silvio Mattoni constrói um longo poema narrativo sobre sua experiência em São Paulo durante um curso ministrado na Universidade de São Paulo no outono de 2014, em que os lugares visitados mesclam-se com a narrativa dos hábitos e espaços culturais da cidade e as apreciações do poeta sobre a arte, a poesia e o valor da literatura.
A antologia deixa entrever, ainda, a tradição barroca hispano-americana nos poemas de Edgardo Dobry publicados originalmente em Cinética (2004) e El lago de los botes (2005) e na seleta de poemas inéditos de Néstor Díaz de Villegas. Também apresenta, dentro da tradição narrativa e fragmentária hispano-americana, um poema inédito de Carlos Ríos intitulado “Poemas para cobrir a cara”. E por fim, Sonia Scarabelli nos brinda com poemas de seu livro El arte de silbar (2014) e outros ainda inéditos que versam sobre o amor, suas perdas e a relação madura com a mãe.
A antologia Poesia Língua Franca faz estes poetas da Argentina, Cuba e Venezuela nascerem num novo cenário. Sua ordem dentro do livro constrói uma narrativa material, pois considerou-se as afinidades temáticas na ordenação dos poemas para não recorrer deliberadamente ao gesto historiográfico. Prevaleceu-se a intenção de reunir propostas diferentes sob a ideia de uma língua franca, que é o que justifica a criação de um encontro no Brasil dedicado à poesia dos países da América Latina e também a presente antologia. Por isso mesmo, o lugar que cada autor ocupa em seus respectivos âmbitos de criação e circulação não são considerados um valor dado neste livro, uma vez que a proposta editorial é estabelecer o diálogo dentro da antologia e não hierarquizar a experiência poética de cada um de seus participantes.
Considerando que é uma antologia de poesia hispano-americana, o projeto gráfico concebido por Iara Pierro de Camargo utilizou uma tipografia argentina (Andada) e a cor verde foi utilizada em todas as capas para remeter ao logo do Encontro Internacional de Poesia Hispano-americana: A Poesia como Língua Franca. A costura japonesa, por sua vez, traz ao projeto cartonero um pouco do orientalismo encontrado na tradição poética latino-americana. De igual forma, seguimos as normas editoriais latino-americanas para manter a memória dos países de origem na edição.
As traduções foram realizadas por estudantes da USP, colaboradores ou membros da equipe Malha Fina Cartonera, e sua participação foi valorizada também dentro do projeto gráfico. Na folha de rosto que inicia cada uma das sessões dos poetas, os sobrenomes dos autores aparecem em destaque e acompanhados dos nomes dos tradutores.
Finalmente, pensamos na edição como a instância literária que parte do original, transita pelo projeto gráfico e pela confecção dos livros, até chegar ao momento do lançamento. Porém, tudo isso não determina um projeto concluído, pois o desejo é que, a partir da antologia, os poetas ganhem vida própria no Brasil.